
Carta ao Professor do seu aluno disléxico
- Setembro 20, 2020
- por
- Patrícia Teixeira de Abreu
Querido Professor,
Vai começar mais um ano lectivo e este ano ainda é mais desafiante porque estivemos todos em casa mais de 6 meses. Estou ansioso por voltar a ver os meus amigos e voltarmos a brincar como antigamente.
Agora já não vou poder desligar a câmara do iPad quando estiver aborrecido ou desconcentrado, nem ter a minha mãe no meu radar que me ia ajudando a manter a concentração e o foco. Sei que me podes ajudar nisso, até podemos combinar um sinal para ninguém perceber e assim saberei o que fazer. Fica um segredo nosso, poder ser?
Como disléxico, sabes que me canso rapidamente e que a capacidade de concentração não é o meu forte. Por favor põe-me nos lugares da frente, junto de ti, e longe da janela e dos meus amigos com quem adoro falar.
Ajuda os meus amigos a compreenderem a dislexia e a aceitarem a diferença seja ela qual for. Por favor usa as aulas de cidadania para conversarmos todos sobre estes temas, mas não me ponhas no centro da discussão. Detesto ser o centro das atenções. Sabes que estou a trabalhar nisso, mas ainda não me sinto capaz de enfrentar os meus amigos na sala de aula. Que tal fazermos um projecto de turma sobre a diversidade? Sabes que eu posso sobressair com a minha criatividade acima da média!
Querido professor, tu és fundamental para que eu consiga aprender. Preciso de confiar em ti, e não ter medo de errar. Não me obrigues a ler em frente da turma sem eu ter treinado em casa antes. Isso deixa-me nervoso e ansioso e condiciona o meu resultado. Sabes que quando leio as letras se baralham todas no meu cérebro. Eu tenho de fazer um enorme esforço para as pôr todas no sítio. Preciso de ler baixinho primeiro para autocorrigir alguns erros e não inventar palavras onde elas não estão. A leitura é um grande desafio para mim.
Sabes também que a minha autoestima é facilmente arrasada com pequenas coisas. Ajuda-me a torná-la mais forte. Eu preciso de mais tempo que os meus amigos. Não funciono bem com pressão. Não deixes de exigir de mim o que exiges aos outros, mas fá-lo de outra forma, adaptada ao meu ritmo. Estimula-me a participar nas aulas. Começar por coisas bem fáceis é para mim um incentivo para pôr o dedo no ar mais vezes. Quando me acalmas com o teu olhar e corriges os meus erros com calma, sem pressões procurando que eu aprenda de outra maneira, dá-me vontade de te dar um abraço bem apertado.
Não faças comparações de performance com a turma em voz alta. Não nos obrigues a dizer quantos erros tivemos no ditado ou quantas contas acertámos no cálculo mental. Eu sinto imensa vergonha em dizer que tive um dos piores resultados. Os meus amigos não entendem, para eles tudo é fácil. Isso irrita-me e deixa-me muito inseguro. Podemos treinar os dois, numa sala à parte. Podemos treinar um texto e calcular quantas palavras eu leio num minuto. Preciso de melhorar as hesitações, repetições e pausas, na leitura. Sei que sou capaz e para isso preciso de ti.
Ajuda-me a acreditar em mim e valoriza os meus superpoderes: a criatividade, a capacidade de resolução de problemas, a empatia, a facilidade de comunicação e a capacidade que tenho extraordinária de rapidamente ver a “big picture”. Afinal de contas a minha única dificuldade é em ler escrever e memorizar. No resto eu sou top!
Ajuda muito, querido professor, que para além de partilhares as metas curriculares com os meus pais, lhes vás dando o planeamento das aulas. Sabes que se eu preparar os textos em casa antes, quando chegar à escola estou muito mais confiante?
Nos testes, se necessário, lê-me o enunciado, faz perguntas directas, e evita ao máximo os textos com espaços para completar (não tens noção como isso é difícil para mim! Quebra-me o raciocínio). Sublinha os verbos de comando e as palavras chave, e de preferência usa letra tamanho 14, Arial ou Comic Sans com espaçamento de 1,5.
Por favor não diminuas a exigência comigo (esse é o caminho mais fácil e o pior para mim) mas os erros e as inversões de letras não devem ser contabilizados. Sabes que eu preciso de mais tempo e fico muito muito cansado com as actividades de leitura e escrita. Se necessário divide o teste em 2 dias ou dá-me mais tempo. Se achares melhor faço o teste noutra sala. Conto com a tua sabedoria para que isso não seja visto pela turma como uma fragilidade.
Querido professor, tu és o meu adulto de referência na escola, que vai marcar para sempre a minha infância. Tu e os meus pais podem fazer toda diferença no meu sucesso escolar. Por favor trabalha em conjunto com os meus pais e ajudem-me a ter uma experiência de aprendizagem leve e feliz!
Um beijinho
Do teu aluno disléxico
PS- Querido professor, tu não tens de saber tudo. Tens entre 25 a 30 alunos. É normal. A Dislex – Associação Portuguesa de Dislexia ajuda-te no que precisares e tem disponível algumas formações gratuitas para as escolas. A Dislexia nos Açores também partilha muita informação interessantíssima e especifica para professores.
6 Comentários
Madalena
20th Set 2020 - 23:45Adoro o post, muito bem escrito 😘
Patrícia Teixeira de Abreu
26th Set 2020 - 21:35Obrigada Madalena. Um beijinho
Patrícia
Ana Rita Fernandes
11th Out 2020 - 14:30Este blog está fantástico para ajudar as outras mães de crianças dislexicas. Eu tenho um filho com 11 anos que também é dislexico e a luta é diária para que ele não se atrase nas matérias escolares. Obrigado.
Patrícia Teixeira de Abreu
14th Out 2020 - 21:22Boa noite Ana,
Obrigada pelo seu comentário.
É verdade que o trabalho é imenso, mas sem dúvida que vale a pena!
Um beijinho
Patrícia
Lara Martins
13th Out 2020 - 14:39Obrigada por este texto. Ao ler parecia que era a minha filha a falar, ou pelo menos a pensar, porque infelizmente ela não consegue transmitir o que sente quando vive o que aqui foi referido. Quem não vive diariamente com isto, por muito leve que seja a dislexia, não sabe como é difícil.
Mais uma vez obrigada. Não conhecia este blogue e vou passar a seguir. Tenho de agradecer à mãe da turma do meu filho que o partilhou 😀
Patrícia Teixeira de Abreu
14th Out 2020 - 21:37Boa noite Lara,
Obrigada pelo seu comentário.
É verdade que é difícil, mas sem dúvida que compensa todo o trabalho e cansaço adicional.
Um beijinho
Patrícia