Mãe, não desistas de mim…
- Outubro 25, 2020
- por
- Patrícia Teixeira de Abreu
Depois de uma semana intensa, com a Bárbara atrás e um céu preto meio deprimente, nada melhor do que aproveitar um rasgo de sol para fazer a fotossíntese.
Vivo de sol, de praia, de areia, de água salgada que arrepanha a pele. Adoro. Na verdade põe-me nova. Com os números do Covid a subir, o medo de um novo confinamento, a adolescência meia parva das miúdas ou aproveito o que a vida me dá ou estou feita.
Que bom que a vida nos deu um rasgo de sol que permitiu a fotossíntese este fim de semana, e amigos dos bons com quem podemos dizer parvoíces e rir um bocado, porque foi mais uma semana desafiante.
A Francisca teve teste de inglês (felizmente só oral), e com ele as horas. E não há dúvida que isto trabalhou a minha empatia esta semana. Espalhámos relógios por todo o lado. Achei que ia ser básico “ half past seven, quarter past seven e quarter to eight”. Sim parece fácil. Só que não.
Inventámos parvoíces. Fui buscar o velho e peludo “Alf” para associar a “half”. E repetições até ao infinito. E é desesperante quando parece que já está quase e de repente zero. Tudo ao lado. Senti-me frustrada. Mas será que não tenho imaginação que chegue para ensinar a miúda?
A um dia do teste, numa ida para a escola em que íamos as duas: “Francisca 7.30, que horas são em inglês?”. Nada. Fiquei calada. Sem imaginação para mais nada, sem força sequer para dizer uma única palavra. E ela que sabe que não sou de silêncios, disse baixinho: “ Não desistas de mim mãe”
Eu parei o carro e dei-lhe uma abraço bem apertado.
– Claro que não desisto de ti Francisca. Nunca. Na verdade tomara muita gente ter a oportunidade de aprender o que aprendo contigo todos os dias, neste caminho com a dislexia.
– A sério mãe? – perguntou ela pouco convencida.
– Claro – disse eu com a certeza absoluta .
O teste correu muito bem. E no regresso a casa, com a mesma simplicidade da afirmação do dia anterior disse-me a propósito da nota “ Nós somos top, Mãe, nós somos mesmo top“.
PS- Para que conste a Madalena resolveu o tema com uma mnemónica básica: meia (hora) faz lembrar Estudo do Meio. E o livro de Estudo do Meio do ano passado era o Alfa lembras-te? O “a” caiu. Ficou alf. “Half” é meia, boa? Boa.(não quero nem pensar no teste escrito, por agora vamos aproveitar o rasgo de sol. Depois logo se vê…)
4 Comentários
Catarina Gil Mata
25th Out 2020 - 17:06Cara Patrícia,
Conheco-a desde que publicou a carta no público, já me sinto muito íntima de si. Porque já vivi quase tudo que partilha. Porque já sofri horrores , e em simultâneo, porque sou a mãe mais feliz do universo.
Tenho o Gonçalo com 13 anos. Com uma deslexia super severa , a terapeuta dele, um destes dias falou-me em analfabetismo (fiquei muda durante dias). Depois de tanto trabalho, de tanto esforço, de tantas horas.
Tenho tanto para partilhar, mas não a quero chatear e também não sei por onde começar. Infelizmente não tenho o dom da palavra na escrita (o Gonçalo não sai às pedras da rua ).
O Gonçalo é o meu filho do meio, tem um irmão mais velho de 15 anos e uma irmã de 10 anos. É a criança mais meiga, mais atenta, mais doce e mais sensível que conheço.
Tem imenso jeito para tudo que é engenhocas é sempre o meu braço direito para tudo. Está sempre disponível para ajudar e para solucionar problemas.
Odeia a escola. A quarentena foi o momento mais feliz da vida dele. E eu senti que o estava a proteger. Protegi-o do medo da exposição e de alguns professores que só vêem o que o Gonçalo mostra, não vêem o que o Gonçalo é. O Gonçalo sempre lutou na escola para esconder as suas enormes dificuldades, desde o infantário. Neste momento tem uma munição de armas de subterfúgio incalculáveis. Prefere passar por mal criado e insurrecto do que por incapaz. Não é fácil explicar.
Isto tudo para lhe agradecer 🙏 a carta que publicou. Quando a li, demorei horas a digerir. Em cada frase os meus olhos enchiam-se de lágrimas, porque me revi e porque revi o meu filho em cada linha. Foi muito forte, mas foi muito, muito bom.
Partilhei a sua carta com os professores e acredito que os ajude a compreender o meu Gonçalo.
Partilhei com os irmãos que sofrem com o Gonçalo, mas ao mesmo tempo confundem a incapacidade com a teimosia, que também ficaram muito tocados e esclarecidos..
Finalmente, enchi-me de coragem e li ao Gonçalo. Foi tão triste e tão lindo que não sei como lhe agradecer. O Gonçalo percebeu que não estava sozinho. O Gonçalo sentir-se compreendido. Chorou muito, mas pouco depois sentiu muita força para erguer a cabeça e entrar na escola.
Bem haja.
Estarei sempre disponível para si
Um forte abraço
Patrícia Teixeira de Abreu
25th Out 2020 - 21:19Boa noite Catarina,
Obrigada pelo seu comentário que me comoveu.
Fico mesmo muito contente que a carta que escrevi tenha ajudado o Gonçalo a sentir-se menos sozinho.
Eles são mestres em esconderem as suas dificuldades, e às vezes a agressividade é o escudo que usam para que ninguém perceba como se sentem por dentro.
Muito obrigada pela sua partilha.
Um grande beijinho e conte comigo para o que precisar.
Patrícia
Ines Andrade Carvalho
30th Out 2020 - 14:59Eu sou ines tenho 33 anos sou dislexia desde sempre no meu tempo de escola não era nada fácil não havia grandes conhecimentos do assunto como há agora . passei por descriminação na escola . Eu já tenho as minhas técnica querias como ja sou a bastantes anos se poder ajudar algum podem contar comiguo.
Patrícia Teixeira de Abreu
31st Out 2020 - 23:11Olá Inês,
Muito obrigada pela sua disponibilidade.
Claro que sim, tudo o que puder partilhar ajuda imenso, de certeza!
Um beijinho
Patrícia